quinta-feira, 5 de maio de 2011

Verde como os olhos dela

E todo aquele charme que você sabe que não lhe pertence fica ali, no reflexo, a rir de você, e a dizer em voz muito alta o quão assassino você sempre foi. Cospe em tua honra, em teu mérito, em teu poema. E te lembra mais uma vez que estarás sempre fadado. Fadado à morte.

Começou com um simples chamado, sorridente, na sua porta, em um lindo domingo de verão. Uma carta, um telegrama, um recado. Tudo confuso, tudo rápido, tudo separado, em sua mente, e de repente, começa a se encaixar e formar frases inteiras sem vírgulas, visto que, elas, as pausas, não são mais parte, pelo menos agora, do seu cotidiano. Começa a ter um pensamento longo e despausado sobre uma vida séria e dura e dificil onde ninguém vai querer saber sobre algum probleminha pelo qual você eventualmente passou com sua parceira porque ela fez algo que o fez pensar bem sobre o relacionamento de vocês dois e... Isso já acabou. Isso é dádiva aos ociosos. Agora, tiram sua humanidade, sorrisos, amores e culto ao inútil. Afinal, probleminhas do cotidiano são inúteis mesmo. Principalmente agora. No caos. Na cegueira. Na nova visão. Na guerra.

Você foi de ônibus, com o cabelo raspado, com o corpo fardado e fadado a destruição. Com a farda verde refletindo medo. Com os olhos trêmulos. Com a cabeça raspada cheia de dúvidas, sonhos, cheia de segredos. E olhas em volta, e vês que todos, jovens, boêmios, sonhadores, cheios de poemas, cheios de mentiras e verdades, estão fadados ao mesmo destino cruel e triste. Discursos ébrios tentaram exaltar a pátria e diminuir seu medo. Evidente que nunca te convenceu.Você se vê fadado a apenas um lugar. Fadado à morte.

Um dia com cervejas caras, risadas, instruções do tipo "devemos-ganhar-do-inimigo-e-conquistar-o-território-dele-simplesmente-porque-ele-é-a-droga-do-inimigo", carregamentos de armas, gritos de guerra, mãos estendidas com orgulho da pátria.

Um dia no mato, sem comer. Um dia de chuva, sem se cobrir. Tiros aqui, tiros ali, e finalmente, um tiro em você.

Destruição, a palavra que só se usava em programas sensacionalistas, se tornou a ínfima realidade. Amigos mortos ou prestes a morrer.

Você dá um tiro. Um tiro ali, um tiro aqui. Você está se molhando com seu próprio sangue, e começa a comer mato por um dia. Mata um inimigo, um pai, um irmão, um filho. Não importa mais o que ele era. Tudo isso se tornou um cadáver em poucos minutos.

Mãos cortadas com raiva da pátria. Gritos de socorro, carregamentos de corpos, perdemos do inimigo. Cacos de vidro da cerveja cortam seu pé.

A guerra se tornou sua nova poesia. Sem métrica, sem decassílabos, sem medida nova nem velha. Só o verso livre feito de sangue. A sonoridade dos tiros, com corpos espalhados por todas as estrofes. Então, mais um tiro em você, e a poesia se torna quase que uma ópera. Você cai no chão. Não dá pra correr. Você olha para o verde da grama. Era verde como os olhos dela. Você se sente como no dia da ida à essa grande festa ensanguentada. Sente-se fadado à morte.

Acorda na enfermaria. Gritos ensurdecedores de colegas, sem muitos membros, clamando para que a miserocórdia de Deus os levem. Você é sortudo homem. Apenas 2 tiros. "Muita sorte" Diz uma patente alta. Você não quer dizer à ele que sorte seria poder morrer. Sorte seria não pisar nos cacos da cerveja. Sorte seria não estar na enfermaria que não cuida do que realmente dói. Não há remédio para a poesia que brota novamente em teu fraco pensamento. Você , no meio daquele lugar, vê o verde.
Vê o verde dos olhos dela. Talvez sorte seja estar fadado à morte.

Você, na chuva de um dos milhares de enterros, vê uma mulher abraçando a terra e gritando o nome de Deus para que a leve também. Lembra-se do filho dela, agonizando na enfermaria fazendo o mesmo pedido que a mãe. Haviam lhe ensinado sobre coragem, mas nunca ninguém disse do tamanho da coragem que teria de haver para alguém se desculpar para ela.

A senhora é só uma senhora. Só um número , só uma parte da estatística. Mulheres como ela servem para contribuir com os filhos, soldados inglórios da grande nação soberana. Novamente, fadados à morte.

Condecorado és. Medalha de honra. Pensão. Fotos com você. Ficastes famoso por teres ido até a terra-do-nunca com uma arma que não era sua, com uma roupa que não era sua, acabar com um problema que não era seu. E levar tiros por algo que nunca fez. Você sorri até, por um reles momento, dando uma gota de relevância à sua existência, mas tudo de que você consegue se lembrar é daquelas mulheres chorando em uníssono.

Sempre te falaram da coragem para lutar, mas nunca te falaram da coragem de ficar ao relento por 9 meses, vomitar, ter de tudo um pouco, só para ver uma criatura saindo de suas entranhas. E do nada, ver que ela com seu tamanho desprezível, sua mente incapaz, seu corpo indefeso e seus sonhos inexistentes, segura fortemente seu dedo com a mão inteira. Segura firme, segura com coragem. E aquele olho indefeso se abre, e olha para os seus, e não diz nada, mas não solta seu dedo. Aquele olho grande, cheio de curiosidade. Aquele olho que um dia irá tremer mediante a tanta morte, como tremeram os seus. Aquele olho que derramará lágrimas em um dia cinza, na ausencia de outros olhos que queria estar vendo. Aqueles olhos, que lembram os olhos dela, que eram verdes. E a mão firme que segura seu mindinho, um dia segurará firme aquele rifle, e matará aquelas pessoas.

Ninguém nunca contou da coragem de uma mãe que larga essa tão bela criação sua, 20 anos depois, para marchar contra um inimigo qualquer, por um motivo qualquer, pois não haveria motivo nenhum no mundo que justificasse o choro na lápide, os gritos de miserocórdias e a vontade de morrer também. E as mães gritam em seu ouvido que apenas queriam que seus filhos segurassem uma ultima vez seu mindinho com a mesma força de quando eram recêm nascidos e olhassem com aquele olhar grande, sem nenhum segredo, sem nenhum medo e sem nenhuma tristeza.

Você pega sua farda, se veste. Ela é seu último elixir da felicidade, mesmo que ridícula. Faz você lembrar de um único momento de orgulho que teves ao ser jovem.

A menina dos olhos verdes nunca mais voltou. Seus olhos permanecem, assim como todo o resto, inquietando sua mente. Como o choro das mães, e os olhares dos bebês.

Agora você está fardado, olhando para o espelho. Todo aquele charme que você sabe que não lhe pertence fica ali, no reflexo, a rir de você. A dizer em voz muito alta o quão assassino você sempre foi. Cospe em tua honra, em teu mérito, em teu poema. E te lembra mais uma vez que estarás sempre fardado. Fardado à morte.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Utopia

Nova utopia minha. Não é mais mundo próspero e companheiro. Sem problemas .

Minha grande utopia é não ter mais caneta. Nem lápis, nem teclado. E não precisar escrever enfim. Nunca mais.
Mas meus demônios não vão embora. Meus sonhos continuam longe. Talvez nunca passem de sonhos.

Como não tenho realmente nada em minha existência, não encontro o silêncio dos pensamentos. Então me vêm à cabeça milhões de teorias metafilosóficas contraditórias para explicar a realidade, me perturba e me faz, então, escrever.
Então, pelo jeito, essa utopia vai permanecer invariavelmente utópica.
Droga.