quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nem todos os meninos gostam de aviões

E Carlos era pobre mesmo.

De alma, de dinheiro, de idéias, de vida, de palavras.

Lamentava-se:"Pobre de mim ó céus!"

E ia beber. Bebia, bebia e bebia.

Lamentava a mesma coisa novamente. Até dormir de tanto beber e acordar na escada de sua casa
Pobre Carlos, pobre Carlos.

Sim, possuía alguns traumas. Seu pai surrara-lhe muito. Sua mãe ria desse circo do inferno. Não se conformou Carlos com isso...nem por um dia. Não era palhaço para servir de diversão oras!

Possuía raiva também de sua ex-mulher. Dessas que te amam, te exaltam, te odeiam e te abandonam, tudo no primeiro olhar. Ela ria dele também. Lembrava-lhe de sua mãe. Ele sentia uma cólera, uma ânsia, uma tontura...Era covarde demais, o pobre Carlos. Não era bom em discutir e brigar. Era bom em resmungar, apenas.

"É Carlos! Mas o mundo ai fora não te dá salários gordos e promoções altas por ser bom em resmungar. Não tem doutorando em resmungar. Tem doutorando em ciências Carlos, não em resmungos. Resmungar é, em suma, uma merda."-Pensava ele. "Mas médicos resmungam também. O mundo resmunga. E eu só sirvo de palhaço para o riso alheio". Alheio. Carlos, que era pobre em palavras, agora viu que em seu repertório surgira uma palavra requintada, bonita, garbosa...Até inteligente.

Ia resmungar, não resmungou. Era pobre em tudo. "Não em palavras" "Não em palavras alheiamente alheias".-Pensava Carlos com um sorriso no canto da boca. Olhou para si mesmo, se imaginou sendo aplaudido na palestra mundial sobre coisas alheias. E sua reles inteligência se auto-alimentava. Descobrira no inferno que era sua mente, aquele lugar aconchegante, onde a sabedoria era sua amiga, as pessoas o verenavam, e era aquilo que sempre quis. Carlos deitou-se no sofá. Não era mais um perdedor. Não, não. Perdedores não falam palavras de alto nível. Não possuem essa dádiva. "Não são alheios"- Pensava Carlos. Agora era da elite da vida, do mundo, das palavras. Não havia mais choro. "Choro alheio"-Pensava ele com alegria. "Não há mais lamentações alheias".Agora, ele era Carlos. O Carlos. E o mais importante: Era só dele. Havia ganhado a si mesmo.

O que fazer agora? Carlos não era mais vítima. Carlos era poesia. Carlos não era mais gauche. Não havia anjo torto. Carlos se comparava agora ao próprio Carlos, o escritor. Era bom ser Carlos. Era bom...ser Carlos.

Afundou-se no próprio circo. Onde agora, domava leões, recebia aplausos, tinha respeito. E nós, e todos os outros eram apenas espectadores do grande Carlos. "O homem alheio", como se auto-entitulava. Era um César.

Naquela noite, Carlos não foi beber...
Na próxima, também não.
No bar, pessoas estranhavam a falta do maior frequentador.

Como vivera Carlos mais de 50 anos no puro medo, insignificância e desprezo próprio ? Era talvez o maior homem do mundo agora!
Agora não era mais esquisito. Não era um palhaço. Nem um menino triste. Carlos sabia disso tudo. Carlos era feliz. Agora...Era feliz.


....Pobre, pobre Carlos