quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Trovoada do riso cap. 1

O espelho era bem objetivo. Aliás, era assustadoramente objetivo. Nada que houvesse de haver no mundo desviaria um espelho de seu único propósito de existencia; O propósito de refletir. Refletiria a tudo e a todos, sem nenhum preconceito, sem nenhuma desavença, sem nenhuma pergunta.

Atire a primeira pedra aquele que nunca ficou intrigado com a função do espelho. Aquele que nunca indagou em sua filosofia cotidiana o porquê do espelho refletir com tanta perfeição. É algo deveras mágico, poético, intrigante, e , por que não dizer, assustador . Parece que estamos na verdade enxergando nossa alma, viva em outro mundo. Em um mundo com tudo ao contrário, quem sabe. Com tudo desfeito. Com tudo certo, com tudo errado.

Divagações e mais divagações corriam pela mente de Victor, o inútil e feio palhaço protagonista dessa anedota para pessoas com tempo de sobra. Assim como cada ser humano desocupado, Victor sempre indagava sobre o ser-não-ser do próprio ser que era ele. Era um homem confuso, bobo, barato e superficial. Aproveitava seu momento de lucidez/insanidade em frente ao espelho com muito carinho, pois a qualquer hora iriam cortar sua luz e a escuridão que reinava em seus sonhos e em sua triste solidão iria novamente dominar o mundo.

Pensava que se não fosse palhaço talvez ganharia mais dinheiro. Talvez não morasse em uma pensão com mais 3 pessoas aleatórias, pobres e completamente indiferentes à sua vida. Mas se Victor fosse executivo, a gravata o enforcaria, a mala pesaria em seus dedos. O estresse de não poder pagar a conta de luz seria substituído pelo stresse de não ser promovido. De trabalhar 12 horas por dia. De se tornar uma máquina sem motivo de existência. Se fosse pianista, suas mãos doeriam com o piano. Teria de trocar as cordas, teria de tocar mais rápido. Ser melhor. Iria chorar em alguma parte da vida. Se fosse astronauta, nunca poderia sair daquela roupa, senão o vácuo o mataria. Só seria espectador do espaço, vendo o ponto azul cheio de pessoas tristes lá longe, chamado de Terra. Se fosse jogador de futebol, um dia não faria o gol, e morreria de fome.

Mas sendo palhaço, não precisava ser o melhor. Bastava ser funcional, bastava fazer rir. Bastava uma maquiagem, uma grande mentira nos olhos e um sorriso para entreter as crianças, futuros médicos, astronautas, empresários....Enfim, eram também futuros palhaços desse grande circo.

"Só assumi minha palhaçada com dignidade e sinceridade" Certo ele estava. Era bom ser ele. Era bom ser palhaço.