quinta-feira, 14 de abril de 2011

Silêncio

Mais de mil toneladas.
Não minto. Mais de mil!
Vieram em forma de papel para minha residência.
Vindas de milhões de poetas de todo o lugar.
Todos tentando me convencer de que eram, por fim, os melhores poetas já existentes.
Capricharam na ortografia, abusaram (e como) da métrica e pra melhorar...
Falavam só de amor! Amor amor e mais amor!
Como se fosse algo pouco polêmico, pouco subjetivo...
Ou até para doer na carne...
Existente!
Querem o que? Que eu chore? Hein? Acham mesmo que escrever histórias em verso sobre algum jovem imbecil que se apaixona (tudo em malditos decassílabos!) tocaria meu coração e me faria chorar sobre as lembranças de uma juventude perdida, tendo por hora um momento nostálgico, dramático e epifânico? Ora, faça me o favor me morrer!
Poeta burro!
Ser um velho moribundo como eu nunca se tornou um programa solene e agradável, apenas recheados de boas lembranças. Ser velho tal como eu é uma maldição vinda das mais profundas profundezes do Hades!

Joguei todas as tentativas de poesia no fogo e acendi meu cachimbo, olhando longamente para a chama colorida, que queimava as tintas e os sonhos utópicos. Aqueci-me com o fracasso coletivo, dando um leve sorriso ao desgosto alheio.

Entre uma tosse e outra, olhei para o chão, e vi um poema que não havia tido o mesmo destino dos irmãos bastardos. Peguei-o com raiva, e como ele iria arder em pouco tempo nas chamas eternas de minha lareira, lio-o com rapidez.
Estava escrito : "O maior poema de todos os tempos..." Prolongou as reticências pela frente e verso da folha, escrevendo no final: "É o silêncio".
Olhei de novo, inspirando fundo. Remetia-me a Hamlet, é claro. Mas me deixou meio indignado...Por que alguém escreveria alguma babaquice dessas? Se bem que silêncio é meio poético de vez em quando... Pensei um pouco sobre silêncio. Lembrei-me do silêncio que fiz enquanto levava bronca, com 7 anos, após "aprontar" algumas. Ou do siléncio que fiz em meu aniversário de 12 anos, quando cortava o bolo.
Houve também o silêncio do funeral de minha tão doce vó, quando tinha 14.
Teve o silêncio que fiz quando ia dar meu primeiro beijo.
O silêncio que fiz curtamente antes de gritar "sim" no altar...

Também lembro do silêncio que fiz quando minha amada mulher estava deixando este mundo. Ela, que havia me ensinado a rir, a chorar, a amar, a levar a vida na brincadeira quando a seriedade se tornava inviável, agora estava em seu leito, com aquele silêncio tão misterioso e tão claramente óbvio.
Lembro-me que ela pediu para esse asqueroso ser humano chamado eu, para deitar ao seu lado. Fui. E fui em silêncio. E me deitei em silêncio. E fiquei em silêncio. Ela pediu para eu apagar a luz, e juntos, contemplarmos o silêncio.
No começo, eu estava em uma aflição que nem os deuses nem os homens poderiam sequer descrever. A aflição de querer dizer simplesmente tudo, tudo, antes que não desse mais tempo...E não poder.
Mas logo vi que o silêncio seria nossa única forma de nos entendermos completamente. Eu só via a escuridão, mas de alguma forma, o rosto dela aparecia claro pra mim, e sorria. Sorria o sorriso mais belo que alguém poderia sorrir. Ela enxergava minha dor, ela enxergava meu desespero, mas com o siléncio, ela dizia que estava tudo bem. E que tudo, mas tudo, iria ficar bem. E eu me acalmava.
Acalmei quando vi que palavras são deveras desnecessárias nessas horas.
Não queria nada de ruim para ela. Eu nunca havia amado alguém tanto quanto ela. Nosso relacionamento foi o maior clichê possível. Era aquele romancezinho de colegial que durara até os dias de nossa velhice. Era a loucura mais absurda de todas eu estar do lado dela sem falar nada. Com tanto desespero, ainda assim fui calado pelo silêncio. Que era minha única forma de lucidez. Que era minha única forma de saber que estava fazendo a coisa certa. E o silêncio, maldito silêncio....
Depois de alguns minutos, o silencio a levou embora...
Pra nunca mais voltar...
E eu fiquei sozinho... Em pleno silencio...
Uma lágrima correu em meus olhos depois de lembrar dessa história. Peguei o poema, amassei lentamente e joguei no fogo com uma serenidade maior. Lembrei que quando fico em silêncio, minha amada parece voltar, e somos felizes de novo. Ela sorri pra mim o sorriso mais lindo. E palavras são, novamente, dispensáveis.
Fim do meu cachimbo, olho para o fogo....
Não existe o maior poeta do mundo tampouco o maior poema.
Existe o maior silêncio.
Que é o meu.

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